Sonetos


Alentejo...

Manhãs frescas em franca abolição
Fazem do Alentejo uma fresca aguarela
A brancura da geada torna-se singela
Ante os raios de sol que despertam a emoção

Em lágrimas que não choro perante a tela
Transformam o momento numa dança
Onde alegre valsa desliza e me embala
Alentejo ao despertar traz a bonança

Que me falta nesta correria, que me queda
Sempre que a vida é ingrata e até sufoca
Como em Agosto o sol imune que me abrasa

A pele e os sentidos inebriados ó deus
Que mistura usaste que púrpura aos olhos meus
Fazem desta terra o ninho e a minha casa  



Sede…

Numa sonolência amena arruma as ideias
São teias que se desgrenham ao vento
Falam de um tempo que já foi de vitórias
E as derrotas são guardadas sem lamento

Falam da guerra da fome até de colmeias
Onde as vontades zumbiam em sofrimento
Pés descalços, barriga colada ás costas
As letras que nunca aprendeu, mas o vento

Trouxe-lhe a liberdade num dia de Abril
O vento trouxe-lhe cravos de esperança
Por sorte não choveram nesse dia águas mil

Hoje, muito se lhe solta da lembrança
Numa conversa repetitiva e pachorrenta
Que o ampara e lhe mata a sede febril

Refrão...

Perguntei à madrugada porque é gelada
De seguida falei com a neblina, és tão espessa
Nenhuma teve vontade de conversa
E eu continuei a minha prolongada caminhada

Adiante encontrei uma clareira p`lo sol enfeitada
Reparei que na orla, jazia uma  ténue sombra
A seu lado ondulava uma flor altiva e vistosa
Uma papoila vermelha pela sombra acompanhada

Como eu desejo pelo dia ondular sem hora
Apetecida conversa, segredar sem carpido
Ondular pela vida sem neblina ou gemido

Correr, saltar, pelo tempo divagar cantando
Uma canção sem refrão que a madrugada devora
Adiante, atinar o bordão que aos teus lábios aflora.

 Desassossego...

Pedi ao vento que me desse um prumo
Uma estrada batida, ou uma linha d`agua
Um porto seguro, esvaído de mágoa
Me desse um olhar em desassossego

Bailando, mostrando ao longe o rumo
De um satélite distante semelhante á lua
Que na frieza da noite ilumina a rua
Pedi ás letras que afastassem o fumo

Que me envolve nos dias em que olho atrás
De uma vida que foi, instante mordaz
Da colina desnuda, encolher de ombros

Onde as noites cinzentas iradas de frio
Riam dos dias parados, sem fio ou pavio
Será que o vento me escora, me repele de tombos.

 Novo Alento...

Corre no meu sangue um sonho antigo
Faz parte do meu ser e do meu sentir
Por vezes é lúbrico tento e não consigo
Correr a seu lado, deixar emoções afluir

Não sei se é sorte ou será castigo
Não sei se é vida, ou a morte a vir
Pode ser luzerna que entra no postigo
De uma casa sombria prestes a ruir

Este sonho antigo, já quase esquecido
Voltou amiúde trouxe o colorido
Ao olhar para ti, com olhar atento

Lembrei-me de mim e passei adiante
Contornei a esquina, nova variante
Ao olhar para ti ganhei novo alento


Olhem...


Olho o ano que passou com um olhar inquieto
Tento encontrar-me em cada mês, mas
É como se procurasse um rosto quieto
Que olha para nós sem emoções ou maneiras

Olhem, olhem-me digam-me algo de concreto
Digam que o ano teve dias teve horas
Teve risos alegrias, musica no coreto
Teve amor, fantasias, choros, mas teve asas

Olho o ano que passou, o sorriso que não vem
Na boca a gargalhada se esvai com desdém
No peito a amargura queima, inquietação

Paro pra pensar, coro envergonhada
Tanto que murmuro, e tantos nessa estrada
Caem na valeta, escondendo a aflição

Vem...


Vem, vem comigo ofertar um raio de sol
Levar ao mundo um sorriso de alegria
Vamos fazer da noite continuamente dia
Emaçar as dores num amplo e branco lençol

Desnudar do preto tornar em rouxinol
Aquela criança de além, que morre de asfixia
Os velhos cansados em adiposa agonia
O mundo raivoso embebido em metanol

Vamos estender o Natal que se avizinha
Pelo ano todo, e vais ver és mais feliz
Esquece as tuas dores, não passam de grainha

Num amontoado de vazio que maldiz
Esquecendo o outro que morre sem lamento
Vem, vamos olhar com olhos de eterno aprendiz.

Navegando...

Circula o olhar, ri do novo brinquedo
Boneco animado por entre cristais
As pupilas dilatam parecem torpedo
Assim passam horas e dias sempre iguais

Procura-se quanta vez o degredo
Tenta-se fugir das coisas banais
Veste-se de festa enorme rochedo
Que se ri de nós, em gestos fatais

Sentados horas mortas, roubadas ao sono
Pela manhã, nova ruga assomou
E o brinquedo inerte ignora o seu dono

Este cambaleia, nem sonha que passou
A ser comandado, tem agora patrono
Que lhe impinge ilusão, a vida açudou


Por entre fios de neve...

Descanso embalada no silêncio
Por entre fios de neve beijo o invisível
Assim no embalo adormeço ou me distraio
Esqueço que este tempo é grande carrossel

Onde voltei-a tão volumoso dispêndio
Num pouco de silêncio, aquilo que é corcel
Faz-nos recuar como se fosse abstémio
Este descanso por entre horas a granel

Contamos um a um todos os segundos
De um descanso que a vida nos impôs
Olho ao longe e só vejo artefactos

Em cada passo aligeirado que a dita opôs
Nos tempos em que a mente desequilibra
O silêncio apoiado no unir dos nossos lábios






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Palavras ao Vento Suão, Antónia Ruivo