domingo, 18 de fevereiro de 2018

Queridos leitores e amigos.

Este espaço nasceu em 2010, como tal, a lista de leitura está a tornar-se extensa, oito anos é muito tempo, são muitas palavras, muitos poemas, muitos textos e contos. Aqui deixei parte das minhas emoções, e como tudo na vida, chegou a hora de virar a página.
Assim aconteceu com o Escrita Trocada, o meu primeiro Blogue, também ele teve o seu tempo e deu lugar ao: Por entre fios de Neve, que dará lugar ao: Palavras ao Vento Suão. Um blogue com um novo visual e que marcará um novo período na minha poesia. Talvez mais pragmático e pensado.
Esta será a ultima mensagem que vos deixo. Aqui voltarei com tempo e paciência para corrigir alguns erros e virgulas que possam existir. Os meus blogues são escritos depois de muitas horas de trabalho e como tal o cansaço por vezes turva o raciocínio.
Para o novo Blogue criei também um novo perfil no Google, com o mesmo nome, Antónia Ruivo, mas com um novo email: antoniaruivo25@gmail.com
Espero por vocês se assim o entenderem no: https://palavrasaoventosuao.blogspot.pt/
Muito obrigada pelo carinho que dedicaram a este espaço e a tudo o que nele escrevi.


quinta-feira, 25 de janeiro de 2018

O sol que não aparece...


Foste o melhor e o pior que aconteceu.
Um amor ao fim da tarde, luz fugidia.
Foste o ombro, a luzerna que venceu.
A dor de uma alma calma mas vazia.

Foste a chuva, a primavera em apogeu.
Uma palavra tua e tudo acontecia.
Então: onde foi que tudo se perdeu.
Se era a ilusão quem sempre vencia.

Estranha constatação que o sentir assola.
Nos dias não é quando tudo acontece.
Já que é o tempo quem oferta a esmola.

Enquanto cansado o sentir esmorece.
Quem dera ser palhaço de velha cartola.
Faria de ti o sol que não aparece.


segunda-feira, 22 de janeiro de 2018

Parábola...

Sobre o peito uma sombra! Onde está
o encantamento… era nada e prometeu.
Ser a noite, ser um fado, o que será…
Ser por breve instante um beijo seu.

Mas; que vida!… a escuridão aqui e acolá.
Uma sombra no pensamento é Orfeu.
É a noite anunciada, só o galo cantará,
a madrugada em que tudo se perdeu.

A parábola dos sentidos é matreira.
Enquanto a ilusão já se desvanece.
Tudo se ganha e se perde. Acontece!...

Nesta saudade vencida já adormece.
Um refrão que um dia foi, bandeira.
De uma história triste e passageira.




sábado, 20 de janeiro de 2018

Sempre que chamas por mim...

Deixo que o tempo apague a tua imagem.
Aquela: que a chuva deixa na vidraça.
No pensamento és nitida miragem.
E  até as lágrimas são nuvem que passa.

Já que o tempo é gélida moagem.
E as lembranças são arestas sem raça.
São as Mós!… São as portas de passagem…
Deixo sempre ao tempo a sua sentença.

De que vale a teimosia? Se és nada!
Ah! Como pode ser fria a noite escura.
Como até a água pode ser: secura!

Se insistes e chamas por mim… Loucura!
Não passas de uma esperança roubada.
Que sem saber se perdeu na estrada.


Uma sombra esquecida

Caminho numa vereda, agreste!...
Até o sol se apresenta, tímido.
Tudo se move e o chão sem veste.
Parece chorar um amor vencido.

Ai Alentejo!... Este vento que sente.
Percorre o montado como… zumbido.
Aqui e ali, eu juro, está presente:
Uma alma perdida num rio tingido.

Caminho por horas a fio e a aragem
é a companheira de todas as horas.
Leva os meus sonhos na cor das amoras.

Leva a saudade, algumas, demoras…
Enquanto eu levo como bagagem:
A sombra esquecida por entre a ramagem.




segunda-feira, 25 de dezembro de 2017

Maria… Um Conto de Natal...

- Maria: é o meu nome.
- Porquê, Maria?- Retorquiu a criança de olhos arregalados.
- De onde eu venho todas as mulheres são, Maria.
- Ah!... Acho que entendo, é uma espécie de pacto, então… adeus Maria.
- Adeus, menino sem nome.

A criança já não ouviu, tinha-se afastado em corrida arrebatada, restou à mulher um encolher de ombros, ao mesmo tempo, que os lábios desenhavam um sorriso. Olhou uma última vez para o vulto que se perdia no virar de uma esquina e continuou o seu caminho, até desaparecer, também, por entre o nevoeiro do final de dia.

O menino, agora caminhava em passos tardios... Depois do estranho encontro sentiu forças redobradas e havia calcorreando quase metade da cidade. Vagueou sem destino, perdido, por ruas e ruelas iluminadas. Era noite de Natal e ele não tinha para onde ir. Ao fim de algumas horas de euforia, os pés cansados e doridos deixaram de responder ao apelo da alma e passou a ser mais um vulto, por entre a multidão. Na azáfama das últimas compras para a consoada.

Não importa se é Natal. Há muito que perdera a conta aos dias ou às noites. Os dias passam sempre iguais e mal escurece, quem o acompanha, num caminhar desvairado, é o cansaço. Enredado no mesmo procurar, veste-se sempre daquele medo traiçoeiro. Tudo junto, turva-lhe a mente e os olhos cor de mar. Não tem nome, nem família, não tem idade, e todos os seus pertences se resumem a um saco de plástico, onde guarda religiosamente uma caderneta de cromos do Benfica. Também lhe servem de almofada, num qualquer recanto da cidade. Não sabe porque a mantém… Se até ela se torna um peso nas horas em que a barriga se cola às costas.

Tudo o que precisava era de um sítio quente e seguro para passar a noite mas, todas as casas estão iluminadas e todas as portas estão trancadas. Através das vidraças embaciadas pela quentura das lareiras, adivinha os sorrisos e os manjares natalícios, em mesa farta e repleta de amor. Enquanto, ele, nos seus tenros anos nem nome tem. A malta trata-o por olhos tristes e é só mais uma, entre as muitas crianças que deambulam na grande cidade. Ele, tal como os outros, mata a fome como pode, ou como deixam!... Nos dias em que se sente mais afoito encosta-se a uma qualquer esquina e canta uma velha cantiga, que um velho pescador lhe ensinou. Uma balada dolente, fala do mar e do vento e com um pouco de sorte, consegue arrecadar umas moedas e termina o dia a matar a fome, na pastelaria junto às docas. O empregado sorri, já sabe que será dia de engolir todos os pastéis de nata que conseguir.
Noutros dias a sorte é madrasta, esses são os dias em que os rapazes mais velhos lhe roubam as parcas economias. Mesmo assim: agradece a Deus se o roubam sem o sovarem. Querem mais e ele é apenas… mais um menino de rua. Crianças que ao sabor dos tempos deixaram de cativar os transeuntes. Crianças que não tem mais. Só tem as pedras e as arcadas, o desprezo e dois ou três dinheiros, o que é pouco, muito pouco para os rapazes que já andam na ganza.

De tão cansado já não consegue articular passo, também, para quê? Todos os lugares com algum aconchego estão ocupados. Nos respiradouros do Metro acumulam-se corpos imundos, de roupas esfarrapadas, tentando, assim, fugir ao frio. Nas arcadas dos prédios, famílias inteiras dormem resguardados por caixas de cartão, alguns tem cobertores e esses foram bafejados pela sorte. O menino sem nome só tem a roupa do corpo e um saco de plástico, surripiado a um caixote do lixo e a velhinha caderneta dos cromos que, um dia encheu de alegria um outro qualquer menino, bafejado pela sorte, vindo a terminar, tal como o saco de plástico, num caixote do lixo.

Acabou sentado junto a uma árvore no jardim de Alcântara, sobre o tronco duro e rugoso do velho jacarandá, assenta a cabeça, inerte o fraco corpito enfiado no saco de plástico, tirita enregelado. De olhos vidrados em direção ao nada. Até que os lábios roxos, pelo frio da noite, esboçam um ligeiro sorriso e filtrado pela luz do candeeiro acabou de aparecer um rosto conhecido!…

- És tu de novo menino sem nome! A mulher sorriu para ele e pegou-lhe ao colo.
- Olá Maria, que bom que estás aqui. Diz-me... Porque é que do sítio de onde vens todas as mulheres são, Maria?
- Maria é mulher primeira, Maria é  nome de Mãe.
- Então: tu és Mãe? Eu não tenho mãe.
- Tens sim, meu filho, eu também sou a tua mãe e agora quero que te afastes de mim, que deixes o meu colo e vás ver o sol.
- Mas!...É Natal, Mãe, no dia de Natal o sol não costuma aparecer. Não me mandes para o frio de novo, por favor, lá não há sol, ou o que há está ocupado por outro.
- Sabes, as mães não costumam mentir e eu digo-te que neste Natal o sol brilhará. Por isso tens que ir. 
O menino sem nome sorriu, obedeceu e deu um passo em frente, ainda pensou em acenar a Maria mas ela tinha desaparecido…
Não sabe onde está!... Sente o calor aconchegante do cobertor que lhe cobre o corpo, fraco, olha em volta e repara numa grande janela, o sol espreita através do vidro. Nesse instante alguém entra na divisão. O Menino sorri para uma desconhecida de olhos brilhantes que lhe diz:
- Olá o meu nome é Maria e o teu qual é?
- Maria! Como a minha mãe. Eu não tenho nome, mas… chamam-me olhos tristes.
- A partir de hoje terás um nome e vais deixar de ser triste, o senhor doutor diz que já te podes levantar e que podes vir passar o resto do dia de Natal a minha casa. Queres?
- Quero, se não der muito trabalho. E posso comer pastéis de nata?

“”

Alfredo levanta-se do sofá onde se sentara, com cuidado transporta nos braços a pequena Maria que acabara de adormecer. Dirige-se à velha senhora que se encontra no sofá da frente e segreda:
- O que ela ainda não sabe… é que eu sou o rapaz dos olhos tristes, e tu, a sua avó, a Maria que me tirou da rua.
- O que ela ainda não sabe, meu filho… é que tu foste um entre muitos meninos de olhos tristes que eu alimentei e tirei da rua.
Alfredo baixou-se e beijou a testa da velha senhora:
-  Vamos dormir, mãe, já é tarde.- Sorriu e acrescentou.- No próximo ano contarás a mesma história e poderás acrescentar mais um ponto e quem sabe ela já compreenda.
Feliz Natal, Mãe.



Palavras ao Vento Suão, Antónia Ruivo