terça-feira, 30 de agosto de 2011

Para ti

Se eu pudesse chegar ao teu coração
Palmilhando caminhos de açucenas
Tiraria o peso frio das adagas
Que te retalham no vazio da solidão

Debaixo de um cedro do Buçaco
Abriria uma cova profunda
Lá depositaria a barafunda
Que teima em envolver-te num abraço

Assim eu chegasse ao teu sentir
Com a facilidade das palavras
Faria do teu dia um partir
Com regresso num terço de alegrias

Nos teu ombros depositaria a leveza
Dos milheirais na primavera
Cingiria no teu peito a certeza
De que a esperança é a força que impera.

domingo, 21 de agosto de 2011

Aturo ou aturam-me a mim

Aturo ou não aturo, pensamento envinagrado
Flor de lótus atraindo a sentença disforme
Arremesso de compaixão, um misto esfaimado
De intenções vacilantes remoendo como fome

Será que não tem rosto, será que não tem nome
Porque deturpa a mente e sacode apressado
O passo desgrenhado que sempre consome
O ponto de interrogação, ah coração enganado

Porque te perdes nos sonos que não tens
Ignoras o levantar nos raios frescos das manhãs
Inventas desculpas para sair de ti, devagar

Nem lavas a cara olhas o espelho de revés
Assim olhas a vida e finges altas marés
Ignorando a voz cativa lá no fundo a soluçar


sábado, 20 de agosto de 2011

Rei e senhor


No quanto estremecemos ao desagradar
Perde a vicissitude do pensamento
São tantas as lombas por desbravar
Que o incerto encolhe num só momento

Se as pedras não rolassem com atrevimento
Meu amor seria fútil mas lisonjeiro o avistar
Seria mitigação e negação o sentimento
Sempre que o passo é inseguro ao projectar

Nos ombros absortos o propósito sem alcançar
O supremo, irrealidade por desbravar
Meu amor sou incapaz não pode ser defeito

Jamais negarei nem me atrevo a divagar
Serei eu apenas eu numa curva a entortar
Serás tu apenas tu rei e senhor insatisfeito

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Engodo

Mormente a ideia
Adormece nos charcos
Onde as rãs coaxam
Noite alta
Por detrás da junça
Descapitaliza e esgalha
A traça

Numa assentada
Com historia
Barafusta a traça
Puta de vida
Fadiga
Amanhã mando eu

O sol ao nascer
Dita a hora
A rã
Na beira do lago
Arregala o olho
À traça
Língua de fora
Já estás no papo
Desgraça.

Matutando a ideia
Contabiliza
A facilidade espantosa
Uma traça com mingua
Mata a fome gulosa

Agora
Não uma, mas milhares
De traças com fome
Avançam p`ró charco
A rã seca
Na orla exposta ao sol.

O sol faz a escolha
Ao nascer é de todos
Não uma mas milhares
Assim se travam os engodos.





quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Apelo

Toque intranquilo
Um misto extenuado

O sono que sussurra
Ou seta em linha recta
Sobre os corpos cansados

Ancora em maré rasa
O voo do albatroz
Um instante atenuado
No suor
Que descai

Das razões pendentes
Na vida que se cruza

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

O ódio


A minha cabeça transborda, transborda cegamente
Eu sou eu, quero e não tenho posso ou não me dão
Deixem-me ou tudo será em vão
Escorrega por entre os dedos o ódio em abolição
Tu que não me queres, não me inventas nem és conivente
Desregrado é o sentimento que me impele
A seguir o teu andar, não tenho que naufragar
Na tua tolerância, jamais comandarás a ganância
Eu, não serei o infortúnio do teu olhar altivo
Ao invés disso serei cativo na persistência
Tolherei a tua resistência, cobrirei de terra
A tua sombra, no fim serei senhor sem desonra
Dos teus pensamentos, farei deles uso
Não serei o intruso que renegas
O meu ódio será a espada sem recusa
Unificarei aquilo que desejo
Com o instinto primário, imponente
Serei eu a mão que semeará a semente
Tu o objecto cobiçado, cego e obediente.

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Roubo


Tenho saudades do tempo em que te escrevia
Passava longas horas traçando cada ruga do teu rosto
Hoje perdi essa capacidade, e pergunto amor
O porquê de tanto azedume e rancor
Que o meu coração alberga
Será que foste tu que me roubou a entrega
Será que fui eu que a perdi e nem sei
De todas as vezes que te inventei
Criei um olhar diferente mas conivente
Sabia-te sábio, na doçura da tua voz
Sabia-te forte nas convicções
Hoje adivinho-te fraco nas contradições
Mas sou incapaz de me adivinhar também
Pergunto será que me roubaste
A capacidade de me olhar.

Palavras ao Vento Suão, Antónia Ruivo