sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Os corvos

Os corvos sobrevoam
As cabeças
Encovadas no peso
Dos ombros
Os seus olhos amarelos
São tiranos
Em busca de pensamento
Na frescura do mesmo
Está o abate dos corvos
Eles sabem
Que a mente desperta
É lâmina 
Que corta certeira
O dourado do seu bico
As penas pretas
Luzidias
Recordam caixões
A massa de aflições
Arqueia na calçada
Passos apressados
De gente
Que verga sob o peso
Das mãos que caem
Ao longo do corpo
Esquelético

Ó gente
Não saberão vocês
Que basta um gesto
E os corvos tombarão
Nas calçadas
Por onde caminham
De olhos no chão


quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Raízes

Não sei que insignificância me resta
O significado também pouco importa
A aresta que percorro está tão torta
Que uma escada íngreme se assemelha a festa

Contrafaz os desequilíbrios, é funesta
Não se compadece com a minha ignorância
Também nunca apelou à tolerância
Desequilibra satisfatoriamente a horta

Onde cultivo doidice insatisfeita
Por vezes tento irrigar contrafeita
As raízes loucas que teimam em brotar

Sobre a terra em chaga ruborizada
Mas tão logo o cabo cai da enxada
As raízes sem água migam de boca trancada

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Imagina

A tela que corre
Correndo também
A infância
Um breve intervalo
Já és adulto
Começa o sepulcro
Encerras as farras
Mistura amistosa
De sonhos
Paixão
Vida cor-de-rosa
O amor te pesca
Casas-te à presa
Os filhos já choram
Mas que vida esta
Contas por pagar
Sarampo e afins
Trocos por guardar
Que será de mim
Um breve intervalo
Continua o filme
Cinquenta anos
Ainda estou firme
Os filhos casaram
Choram os netos
Ralham os filhos
Tu queres viver
O que te apetece
Netos ver crescer
Ninguém envelhece
Mas ás tantas…
Tens setenta anos
Que porra de vida
Dores e enganos
Assim passa o filme
E tu apático
A vida correu
Já estás de quatro
A morte anuncia
O descanso afinal
Que belo é o dia

Agora sei
Vivi sem igual.



quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Síntipo (V I)

Fantasmas que se predizem

Percorrem a planície de lés a lés
Barcos sacudidos pelo convés
Na funda garganta ressoam avisos
Gritam rugidos aos vivos

Os pobres só esses escutarão

O bramido rouco soa a gemidos
Tolhe as ideias e os sentidos
Apenas os pobres desabam á vez
De homens gulosos, a malvadez

Ganâncias são fantasmas que se predizem.

Síntipo ( V )

No silêncio encontro mortalha

Respeita o silêncio alheado
Ao barulho do montado
Das folhas soltas ao vento
Ondulando contra o tempo

Os sonhos vagueiam na planície

Percorrem o estio com alento
Afastam-se do céu cinzento
A trovoada desaba no restolho quebrado
Os sonhos caminham pelo orvalhado

No barro vermelho encontro mortalha.

Nesse dia

Os poetas reinventaram
Todas as palavras
De amor
Um dia
Pegarei nelas
Tal fio de lã
Solto na bainha
Escreverei
Todas as palavras
De amor
Pintarei
O céu alentejano
De Agosto
Pelo rego aberto
O mosto
Saciará a sede
Que tenho de palavras

As tuas palavras

Nesse dia
Pegarei nas tuas
Farei salada russa
As minhas e as tuas
Revigorarão
A terra gretada
O Agosto do céu
Afastará a trovoada
Nesse dia
Os olhos dirão

Vale sempre a pena
A jornada.





Paciência

Amordaço a vontade
Escrever
O acto  (ato)
Porque não ato o acto
E o atiro ao rio
Da ostentação
As palavras
Entopem-me a mente
Cansada
De não fazer nada
Quem diria
Ainda ontem
O corpo rogava descanso

Ato a mordaça
Encosto-a á ombreira
Da porta que fecha

Faço amor
Com as palavras
Reinvento vocábulos
O meu imaginário
Lotado de vivências
É o caos
Da minha existência
Tudo se mistura
Na obrigação imposta
De não fazer nada

Resta-me a novela
A televisão
As fugidas criminosas
À tela dos sonhos
Amordaço
A vontade de lamentos
Para quê
Um sorriso
E um brilho num só olho
São as coisas boas
No momento

Esta minha cabeça
Que não me dá descanso
Escrevi mil poemas
Numa semana
Reinventei
Toda a minha existência
Tolerei
Os olhares incrédulos
E ri-me
Das dores que pressenti
Pois
Sem um sorriso
A vida
É muito mais complicada.
A minha cabeça
Cansada
Roga-me ardentemente
Que despedace
Palavras
Lhes triplique a semente.

Mas a mordaça
Segreda-me
Tens que ser paciente.

Palavras ao Vento Suão, Antónia Ruivo