Por vezes questiona a vida, todos nós de alguma maneira a interrogam, quase sempre porque nos achamos injustiçados, ela não foge à regra, não vou esmiuçar os seus questionamentos porque os acho tão vulgares, como vulgar é a repetição dos dias em que se sente emaranhada numa teia de interrogações.
Por vezes perguntava à vida porque se atrasou no tempo de lhe fazer verter palavras sobre o papel em branco. Confessa que já viveu algumas agonias, por não encontrar resposta.
Foi durante muito tempo leitora compulsiva, durante muito tempo sentia faltas e falhas na sua vida, durante muito mais tempo escrevinhava e mandava tudo para o alto. Uma eternidade em que viu a vida a preto e branco.
Mas nos últimos tempos o seu sentir tem mudado, deixou de questionar a vida, descobriu que ela é sábia, de que teria valido ter começado a escrever mais cedo, não tinha a maturidade suficiente para separar as águas, ou seja, a sua alma rebelde não lhe daria a calma suficiente para se sentar e escrever o mundo, certamente se debruçaria sob o seu umbigo e se rescreveria num repetitivo quotidiano.
Verdade seja dita, no início começou por se escrever, escreveu-se em todas as linhas bifurcadas de uma escrita adolescente, digo mesmo infantil, embora tivesse já transposto a barreira dos quarenta, aos poucos começou a precisar de se escrever diariamente, precisava da escrita tal como do ar que respirava, andou assim dois anos, mais coisa menos coisa.
Depois passou a olhar para a vida com outros olhos, já não escreve diariamente, embora tenha dias em que escreve umas resmas de sentires, aprendeu a andar na rua com olhos que tentam ver, procura ler a falta de brilho nos olhares que cruzam o seu, escreve as pedras das calçadas, as ruas desertas, as casas de paredes esburacadas, mas com vida lá dentro, escreve os amantes que nunca viu, os filhos que nunca teve, às vezes escreve os seus próprios filhos, não gosta de escrever pai nem mãe, mas escreve a vida que viveu o que nela aprendeu, delira ao recordar aqueles que já partiram e que tanto lhe ensinaram, chora ao escrever a sua terra e as suas gentes, brinca com as palavras, jamais deixa que sejam as palavras a brincar com ela.
Escreve amor e ambição em pé de igualdade, escreve fealdade e boniteza paredes meias, tanto escreve merda como açúcar, mas jamais fica insensível à dor ou à alegria, a fome causa-lhe náuseas e a fartura fá-la arreliar. Odeia escrever Portugal nos dias de hoje, com pesar escreve um autocarro lotado, ou uma urgência de hospital, um lar de idosos um casal que se maltrata diariamente sem ter coragem de bater com a porta. Volta a ser criança ao escrever crianças, não liga a telenovelas nem romances de cordel, em suma por vezes é uma enorme chata, escreve silêncio, e dias de chuva, música clássica e aquela que dizem que é pimba, escreve chocolate, gosta de escrever sexo, e de parir palavras afiadas, não vira a cabeça nem encolhe os ombros, mas por vezes fica corada com a maneira como a escrita principalmente a poesia é tratada pelos dirigentes deste circo português.
Continua a ter muitos dias em que se nega, não vê nem ouve, nesses dias está virada do avesso, o melhor é não ligar, enfia a cabeça na areia ou então come quilos de chocolate. Enfim é mulher e mulheres têm destes dias.
Mas nos dias como os de hoje, já não questiona a vida pelo facto de ter começado a escrever tarde, questiona porque lhe deu a sorte de ter tanta gente que se identifica com aquilo que escreve, e porque vê e lê emoção nos olhares que cruzam o seu quando lhe dizem, gosto de si identifico-me com aquilo que escreve.
Em dias como o de hoje agradece à vida.
Obrigado vida
Por guardares para mim
O início sem fim
Daquilo em que me tornei
Mil olhares inventei
Outros tantos aprendi
Em instantes consegui
Ser o que não era
Não é sonho nem quimera
É o coração que me fala
Tudo tem tempo, tem hora
Não é preciso forçar nada
Basta saber ouvir
O que diz a emoção
Basta saber sentir
Sem pressas ou aflição.
É a maneira que tenho para agradecer a todos aqueles que ultimamente me têm feito sentir que vale a pena publicar o que escrevo. É a maneira que tenho de dizer obrigado. Uma boa semana para todos.
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