quinta-feira, 30 de junho de 2011

O mesmo chão


Demanda ao poema que te olhe
Não lhe peças desculpa se o deixas solto
Há sempre uma linha ténue
Entre o seu e o teu olhar
Sempre que lhe ofereces pernas para andar
Entrega-me a mim mil foices
E espera enquanto te envolves no silêncio que te sei
Ceifarei o tojo que circunda o monte
Atearei a fogueira como quem ateia o ultimo dos fogos
Aquele onde os poetas incendeiam as palavras
Que se desfiguram como árvores fustigadas pelo vento 
Ceifarei os sonhos alados da alma alentejana
Todos os que encontro nos versos que rescrevo
Demanda ao poema que te olhe
Ah, encontrarás escondido no seu olhar
Tudo aquilo a que me atrevo inventar
No meio dos cacos dos poemas desvairados
Encontrarás o teu e o meu coração
Repartidos por partículas que esventram a mesma terra o mesmo chão

quarta-feira, 29 de junho de 2011

Amanhã


Porque renego a solidão se ela me escorre da pele
Invento mil maneiras de alegria, outras tantas de razia
Invento palavras que desconheço, vocábulos de maresia
Que se albergam airosamente e no final sabem a fel
Por entre paredes caiadas não sei se é noite ou dia
Na minha cegueira quem sabe caberia
O som da tua voz, quem sabe soubessem a mel
As palavras com que açoitasses a invernia
Que renego, porque um poeta é uma alma vadia
Fala de solidão e renega-a vazia

Pobre e tolo coração e esta fúria de vida
Hoje escorre-me da alma, ensopa o chão
De gotículas imaginárias que poisam na tua mão
Amanhã inventará corridas loucas p`lo sul
Os teus e os meus pés descalços pintam um rio azul
Que rega os trigais que não encontro
Amanhã inventarei poesia
Nela transbordará o cheiro a terra molhada
Inventarei as palavras que já conheces
Juntá-las-ei à minha escrita sem norte 
Enterrarei num monte que erra na planície
A tua e a minha meninice, amanhã o vento
Levar-te-á todas as palavras que invento
Porque os poetas se reconhecem
Numa solidão cravejada de palavras que lhes verga as costas.

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Incolor

Incolor…

As  palavras arrumo na gaveta, vazio
Está o espaço circundante da emoção
As rajadas assolaram pareciam furacão
Por fim o silencio acompanhado pelo frio
Nem o cobertor mais quente traz consolação
Os ossos fendem contorce-se a mão
Por entre os dedos não escorre nada, corrupio
Numa surdez bizantina, já nada me dá aflição  
A gaveta tem o simbolismo de um alçapão
Enterrarei nele a minha e a tua emoção

Porque me perco num tempo que não tenho
Porque ensaio danças que não sei
Eu sei, um dia quando as manhãs eram bonitas sonhei
Com palavras bonitas, todas as inventei
Numa invenção castrada, mas que caso sério
Foi este tempo que se foi agora sei
De um tempo em que palavras na tua boca desenhei
E agora que as arrumo na gaveta, pensei
Serei recta ao pensar sem lei
Que o tempo não se comanda mesmo quando dele desdenho
É ele que assume o fim quer queira quer não, é férreo
O tempo meu amor não entra em contradição
A sua frieza subtil agora sei é incolor e escorre-me da mão...

terça-feira, 21 de junho de 2011

Não percas tempo

Não percas tempo que o tempo
É tempo de ser vivido
Não percas tempo sem tempo
Não percas no tempo o sentido

Que mais fará o tempo senão a morte trazer
Pobre e louco quem julga o tempo poder vencer
Por uma estrada de terra o tempo caminha são
É o alcatrão que governa e o tempo foge da mão

Quem julga vencer o tempo mais cedo lhe foge a sorte
O tempo é incansável jamais se desvia do norte
Estes versos não têm tempo, serram a noite ou o dia
Mas a serra está torta e o tempo vira agonia

Outras vezes trás magia num olhar mais prolongado
Não percas tempo que o tempo é um relógio suado
O teu rosto até se atreve a virar-se pró lado
O tempo dá uma risada, não sabes jamais sou roubado.

domingo, 19 de junho de 2011

Dança

Voam as aves no céu plano, rodopiam sem sentido
Ao meu olhar surpreso pela dança cativa
Voam, voam, levam presas nas asas um gemido
Que o vento solta pasmado enquanto alicia

As aves que dançam sem ilusão ou vanglória
 Dançar é o seu mundo assim o entendo
E tento a todo o custo imitar, inglória
A minha dança cativa de um chão sebento

Pelos passos apressados com que transponho
Degraus imaginados, são restolho sovado
Pelo burel do pintor que pinta em tom alheado

Uma aguarela cor de mel, Alentejo e o seu montado
Ensaiam passos de dança lá no céu azul cobalto
Eu sou o alarido nesta dança sem retiro.

Ave liberta

Não tenho nada que valha a pena
Porque me indagam estes receios vadios
Vem à tardinha ás vezes de manhãzinha
Tão ocos e tão certeiros mesmo vazios

Quero tanta vez despir-me, banhar-me nos rios
Soltar amarras e partir sem norte ou sina
Seguir o vento enlear-me numa estrela, são fios
De cabelos brancos, vagabundos em travessia

Que venham os ventos, a morte que venha
Que traga a neve e com ela o gélido
Despertar para a sobrevivência inglória

Que tranquem as torres, se apartam vilões
Que o olhar cegue sem tempo nem hora tardia
Quero lá saber sou ave liberta alheia a grilhões

Moeda de troca

Não me batam palmas se são meus pares
Danças cativas chamando atenção
Com que me acenam e me jogam flores
Sei ser grande e airosa essa tentação

Chamem-me ingrata ou descortês
Digam que estou doida, em negação
Prefiro o desbotado de um talvez
Do que cabeças a desancar no chão

Sou tudo e nada, apenas assimetria
A proporção é um gigantesco lago
Prefiro um não à acessão estéril e vazia

De um sim meigo em gesto rogado
Arremesso o relento da adesão fraca
Que se esfrangalha num sombrio trocado.

Moeda de troca

Não me batam palmas se são meus pares
Danças cativas chamando atenção
Com que me acenam e me jogam flores
Sei ser grande e airosa essa tentação

Chamem-me ingrata ou descortês
Digam que estou doida, em negação
Prefiro o desbotado de um talvez
Do que cabeças a desancar no chão

Sou tudo e nada, apenas assimetria
A proporção é um gigantesco lago
Prefiro um não à acessão estéril e vazia

De um sim meigo em gesto rogado
Arremesso o relento da adesão fraca
Que se esfrangalha num sombrio trocado.

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Reinventar a saudade

Deixa que te escreva
Que rescreva cada gesto teu
O teu olhar suspenso no meu
Quero requisitar fascínio ao céu
Reinventar o teu gosto
Que o silencio leva

Para longe

Por entre maré viva
Momento adiado, a partida
Nicho de emoção sentida
Que tolhe a inquietação vencida
Por um véu no rosto
Saudade na despedida

Deixa que te invente
Até o amanhã voltar
Um abraço que aparta o mar
Nós dois a naufragar
Por entre o vinho, o mosto
Delirante de um beijo que se atreve
A reinventar a saudade

Que foge.

domingo, 12 de junho de 2011

Julgamento

Tão fácil
Uma facilidade estampada na mente
Julgar é tão fácil
Julgar os outros por aquilo que somos
Julgar deixa quem julga contente
Tudo podia ser tão diferente
Se os julgamentos não fossem hábeis
Sobrevivências, que nos fazem condescendentes

Para com a nossa consciência.

quinta-feira, 9 de junho de 2011

A camisa amarela

Aquela camisa sovada
Foi-me útil, com uma utilidade
Contada metricamente, sovada
A camisa amarela é deixada
Ali, no cesto do nada, comodidade
Sempre que vence o nada
Retratado por uma camisa amarela
Desbotada.

De que vale enraizar
Momentos a partilhar
Soluços por soluçar
Vontades a albergar
De que vale
A camisa amarela vestir
Se depois é hora de partir
Nada importa, um olhar
O da camisa amarela
Que fica num canto enrugada
Esperando pela barrela
Que nunca acontece

Um peso dobrado na vida
De quem esvaece.

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Querer

Gela-me nas veias a falta sentida, ai
É como se neve dissolvesse o meu sangue
Seria tão fácil se o dia não corrompesse
O meu coração adulterado que se esvai

A cada falta catalogada que atrai
Mais e mais compaixão, se eu agora desligasse
O interruptor que me mantém cativa e anulasse
A vontade caduca, leva-me longe num ai

Porque te quero num querer deturpado
Pelo virar de costas, pela falta de cuidado
Porque te quero como quem quer um fado

Tocado em rabecão, funesta imaginação
Que me traz sem aflição a contestação
De que vivo do querer fútil e castrado.

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Se eu chorasse

Apetece-me chorar no teu ombro
Onde quer que o dia te encontre
Despir-me de mim seria reconfortante
Esvair na enxurrada o escombro

Dos dias cinzentos que trazem a reboque
Minutos de silêncio que pesam na balança
Ai deus se no teu ombro chorasse
Levaria pela estrada ventos de bonança

No voo das cegonhas levaria o sonho
De um manto azulado coberto de safiras
Estrelas brilhantes em risos de crianças
Espiga de trigo pendendo do molho

Que me jorra da alma, ai se eu chorasse
No teu ombro à noitinha, seria diferente
O grito enraizado do dia cinzento
Por cada lágrima um breve momento
Se transformaria em melodia
Aos olhos de quem se atrevesse
A olhar para mim como que por magia
Meu amor,
Choraria mesmo que de seguida morresse.

quarta-feira, 1 de junho de 2011

Hoje (Criança)


Hoje fecharei o peito à poesia
Não, não vou escrever criança
Neste dia
Amanhã escrevo criança
Tal como ontem o fazia
Escreverei amor
Sol e uma flor
Esplendor, felicidade
Traquinice e meninice
Em suma
Amanhã escreverei criança

Hoje
Atormenta-me a lembrança
De que este dia é prenúncio de morte
De empurrão ou má sorte

Por isso existe no calendário
Um dia da criança, imaginário
Ocidental festa deslumbrante
No resto do ano um gelo arrepiante

Amanhã escreverei criança
Amanhã falarei de confiança
Num sorriso atrevido
Que enche a minha alma e lhe dá sentido.


Palavras ao Vento Suão, Antónia Ruivo