domingo, 30 de março de 2014

Lançaste um desafio... Ao compadre José Brás

(Mote)
Lançaste um desafio
Compadre com esta chuva
Mesmo assim o que me rio
Caiu-me que nem uma luva

Ó compadre ribatejano
Agora é que me apanhaste
Sabes que não me aborrece
Rimar a torto e eito
Mais ou menos a preceito
Rimo de qualquer maneira
Nem que seja a tarde inteira
Falando da chuva ou do sol
Interessa é entrar no rol
Lançaste um desafio

Prontamente, eu respondo
Com a alma deslavada
Por esta chuva malvada
Sinto os ossos decompondo
É a humidade dispondo
O que me mói o juízo
Será que ainda vem granizo
Para piorar o meu dia
Estou virada, que arrelia
Compadre com esta chuva

Ainda ontem estava sol
Apetecia ir à praia
Meter o pé na gandaia
Hoje ando de cachecol
Até ouvi um espanhol
Gritar, mas que frio
Aos ouvidos do seu tio
Que estava todo engelhado
Com este tempo malvado
Mesmo assim o que me rio

Ao pensar na tua cara
Ao ler esta contenda
Compadre mas que merenda
É esta minha ceara
Pode não ser coisa rara
Mas é o que se arranjou
Por isso aqui estou
A mandar esta missiva
A rima simples, festiva
Caiu-me que nem uma luva.




sexta-feira, 28 de março de 2014

Anda o mote de mão em mão

(Mote)

A brotar no Alentejo
Igual ao vento suão
Nas abas de um cabanejo
Anda o mote de mão em mão

Quantos poetas perdidos
Nesta terra tão velhinha
Onde a ceifa foi rainha
Os sobreiros são sentidos
Até se ouvem gemidos
Por entre a sua ramagem
Na tarde de fresca aragem
Pia o melro canta o galo
Ao ouvido é um regalo
A brotar no Alentejo

Salta a quadra atrevida
Por entre estevas e montes
Brotam versos, frescas fontes
Espalhadas na campina
Até parece que é sina
Rimar a torto e a eito
Com mestria e preceito
Nesta terra sempre viva
Cravando as mãos na lida
Igual ao vento suão

Que varre o mau agoiro
E nos livra de maleitas
Ao espalhar rimas bem feitas
Este povo é um tesoiro
Brilhante, do peito moiro
Que no tempo descobriu
Foi no campo que emergiu
Este saber engalanado
Que no sonho anda anafado
Nas abas de um cabanejo

Tanto tinha p`ra dizer
Dos poetas e sua história
Que me trazem à memória
As origens e o sofrer
Também me trazem o ser
De moçoilas a sorrir
De tudo o que está por vir
E nos olhos rasos de água
Dos velhos e suas mágoas
Anda o mote de mão em mão.
................

As décimas são uma expressão poética de cariz popular no Alentejo, perde-se no tempo a sua origem, lá atrás no tempo, os poetas populares eram quase sempre analfabetos que levavam nos seus versos o dia a dia alentejano, as sua estórias e vivências.




quinta-feira, 27 de março de 2014

Esqueço


 Fogem os versos por entre os dedos
esquecida de mim, esculpo os medos.
Perdi a vontade de sonhar

Esqueço que o sonho
é que abre as portas
que a dor é refúgio
Para não pensar.
Esqueço que o tempo
não tem tempo
sempre que me perco
no lamentar.


sexta-feira, 21 de março de 2014

Hoje escrevo...


O verso genuíno brota no céu estrelado
Da inocência das crianças
De um velhinho curvado
O verso genuíno nasce na alma pura
Dos anseios ou alianças
Que promovam a ventura

Cresce em campo aberto
Levando a palavra certa
Ao coração encoberto
P`lo vazio ou p`la errata
Da correria apresada
Que da vida nós fazemos
O verso genuíno
Bola de fogo que aquece
O gelo do inverno


Para tal. Basta querermos. 


sexta-feira, 14 de março de 2014

De que servem vaidades...


Perguntei ao dia que nasce
O que é humanidade
Abrindo os braços ao mundo
É o sol que me reponde
O ser pode ser belo ou imundo

Há ganancia escondida
Em alguns de máscara erguida
Noutros os gestos são aves
Repartindo alegria
Esvoaçando dia a dia por entre flores

Depois há os idiotas
Rebolando no umbigo
Por sorte há os altruístas
Amigos do seu amigo

Há ainda desinteressados
Há de tudo neste mundo
Reflecte-se na educação
No saber ou na esperteza
No puro coração
Ou na maldade e avareza

Ao ouvir estas verdades
Agradeci ao dia sorrindo
De que servem vaidades

Se vegetamos extorquindo.


terça-feira, 11 de março de 2014

Erro


Um curvo caminho sem volta
Logo ali o fim da linha
Tal como cão sem casota
Desnudo feito fuinha

Ao trancar a esperança num pote
De fino vidro, quebrou-se
Olhando atrás desconheço
Se a vida passou inteira
Se a sorte foi verdadeira
Ou se a chuva que agora cai solta
Caiu ao nascer certeira

Imensa, estranha incerteza
No ar levitam palavras
Apontam em correnteza

Erro, em jeito de adagas.


segunda-feira, 10 de março de 2014

Busca

Procuro o ver por entre os muros
Meu imaginário incompleto
Altos castelos de pátios escuros
Tropeço no absurdo repleto

De esquecimento, quem és afinal!

Quando muito uma pena solta
O porquê do vento num vendaval
Inquietação de pouca monta
O que é a busca, qual o sinal
Ao longe o fim da linha
De que serve o bem ou o mal

Como o esquecimento é abissal!

Quando calhar logo se verá
Afinal, porque corro eu
Se na busca o que der será
Que confusão. Para o que me deu.



domingo, 9 de março de 2014

Aquele menino

Nada sei de ti por entre as pedras
Por entre as nuvens nem te imagino
Nada sei dos raios de sol, ou vento suão
Cantigas de Maio, mas que confusão
Sei contudo! Teu olhar menino
Tuas mãos abertas, certezas incertas
Rogando carinho.

Nada sei da rua, casas sem telhado
Um rio sem peixes, quando quero invento
Não será de agora. O olhar detive
Aquele menino, que com fome vive
Rogo ao Deus Menino que lhe dê alento
Eu não consigo, poemas invento

De cá para lá, pé na estrada, vou
Dando uma desculpa pelo que não sou
Aquele menino na rua em declive
Olhou para mim, e só mágoa tive.




Palavras ao Vento Suão, Antónia Ruivo