sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

Todas as minhas ausências...

Fico presa na ausência, sem força p`ra seguir
Do alto da minha cegueira vejo a vida fugir,
na cal. Que a chuva ao cair fustiga na calçada.
Eu, aqui, tão fria e parada, enclausurada.

Nos retalhos da memória, toda eu sou caruncho.
Dói-me uma perna, o catarro não me larga,
a visão está turva, o sentir é vesgo,
a saudade é paulada na água da chuva.

Salpica o meu coração, que saudades do verão,
da insistência. Da moleza do fim de tarde.
Ao acordar despertei todos os Invernos,
em infernos. Chorar é o que me apetece agora.

Mas… toda eu sou, mas. Enfio a gabardine,
salto para a rua. E vejo a alma nua
de quem passa por mim. O olhar finge felicidade
os lábios fingem ao sorrir. Toda eu fingimento
na minha rua, perante a chuva na calçada.

Há gente que passa e logo me convenço.
Todas as minhas ausências, são cegueira
Até a saudade, é raia miúda. Ao pé da solidão,
de com quem me cruzo na praça.





terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Amanhã...

Traz num sorriso, os instantes inacabados.
Os sonhos por habitar, colhidos ao nascer
numa qualquer saudade. Traz em sorrisos
Aloendros, ou moiras encantadas no viver.

Amores inesquecíveis, anseios roubados
ao cume da imperfeição. Imperfeito amanhecer
repleto de ilusão. Traz na manhã fria, brocados…
E aí, juro por deus, olhar como quem quer entender.

O infinito… Juro por deus, numa távola redonda
fecharei com selo de sangue a tristeza.
Que persegue as almas famintas, trancada,

será também a fonte de alguma lágrima moída.
Se trouxeres sorrisos acredita que a grandeza
do amanhã, soará a trinados na madrugada.

Foto Alfredo Cunha.



Dia de memória do holocausto...

Hoje no dia em que todos os silêncios pesam muito mais, devemos olhar o mundo com estranheza. Afinal serão os loucos apenas loucos, ou enraivecida é a mente humana. A loucura da ganancia faz do homem um demónio criminoso, e a loucura dos tempos que correm traz até nós ecos do passado. Os demónios continuam à solta, tomando a forma de diversas ideologias, e as vítimas morrem todos os dias.
Devem pois, os homens ter medo do silêncio. 

domingo, 25 de janeiro de 2015

O Verso.

Caminho numa estrada sem volta, e aí
seguro-me às bermas repletas de cor,
do olhar de todos, com quem reparti
pedaços de mim. Alguns com fútil ardor.

Outros, desnutridos de amor. Sei que aluí    
sem modéstia, ou pudor, até em alto clamor
a pacatez dos sentidos. Mas não destruí
o que sou. Assim caminho, com frio, ou calor.

Descalça de arabescos, olhos postos na Foz.
Uma serapilheira por vestido, o chão
do Alentejo grudado na alma. Alguns nós

que espero desatar em versos. E as Mós
que são os olhares, elevam a convicção.
De que mais além o verso correrá veloz.

25-01-2014


sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Hibernar...

Tenho frio…
E as pontas dos dedos enfriadas, lastimam,
com elas as costelas reclamam,
os dedos dos pés… É melhor não falar.
O queixo, esse treme arrefecido
por um vento de cortar.

Tenho frio…
O que vinha mesmo a calhar.
Um copito de ginja para o gelo enxotar,
ou uma boa lareira de tronco de azinho,
uma castanha assada, ou um chá de cidreira,
uma escalfeta, ou um vira dançar.

Mas, com os pés a tiritar, como virar…
O madeiro de azinho quando em cinza ficar.
E a mão sem atinar, o copo de ginja entornar…
Mas como, uma escalfeta, onde a vou encontrar?
E de castanhas assadas, nem cheiro no ar.
O chá de cidreira, não me apetece ir comprar.

Tenho frio…
Por isso vou hibernar.
Ou o queixo coitado acabará por cair,
ao oscilar sem nunca parar.
As costelas, essas, rangem de tanto rir,
com o que à mente me acabou de saltar.




domingo, 18 de janeiro de 2015

Suporte...

 Tenho aquela saudade premente,
é fria, oca, até escorregadia.
Insiste, resiste, vai e vem.
Tenho aquela saudade…

Saudade de ti, que um dia passaste,
e de ti que nunca chegaste.
Do que foi num dia qualquer,
do que há-de vir, se chegar a tempo.

Será que sou eu,
Ou um adrego qualquer…
Pode ser do mundo, da vida,
até da morte.
Será a saudade por vezes, suporte…


segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

Em Janeiro...

Em Janeiro dispo-me de mim, aninhada
numa letargia muito minha, omito quem sou.
Silenciosamente, hiberno, enregelada,
falta-me o sol, toda eu ensopada em geada, hiberno.
O caricato disto tudo. O sol revive rebeldia.
Aí, olho com olhos de carneiro mal morto
os telhados, da minha janela, e questiono.
Porque são afinal, só telhados, podiam ser asas…
Deles, despencar o Verão. Como se tal fosse possível.

Logo o bom senso segreda, pára deixa a ladainha de lado.
Em Agosto enfiarás a cabeça na areia, sufocada pelo calor.
Olho o bom senso, como quem olha um alarve emproado.

Deixa que hiberne, como queres que renasça na primavera.
Sou e serei, árvore num descampado.
nem todos os telhados do mundo chegam para me salvar.
Ao cair, tal folha amarelecida.
abandono sem pena o galho que me susteve.
Sei que ao desfazer-me em pó na terra fértil.
Uma nova raiz se alimentará, e aí, será Primavera.
Por isso deixa que hiberne neste Janeiro húmido
Com ele hibernam os sonhos.
Hão-de florir em olhos de ´´Inferno``.
Que ao passar me deitará ao chão.

Desconhece que da terra vermelha, fui esculpida,
Numa tarde de Janeiro.


Pés Descalços...

Chegaste na noite escura e fria, e o sol contigo.
Trave onde qual náufrago aflito, apreendo.
Alheia à destreza do sentir e para castigo.
Encaro inanimada a madrugada remoendo.

Uma saudade muito minha, penso comigo.
´´ Serei pedra esverdeada, gemendo ``
Ao sabor da intempérie… Mas não maldigo
todas as lições da vida. Nelas progrido.

Serei a ventania que assola a tua alma.
Ou então, a clareira onde depositas o sonho.
Serei mulher de pés descalços… Assim deponho.

Ambição num canto do quarto… a madrugada
dará lugar à aurora. As mágoas, esquecerei!
Ou não fosse o novo dia quem dita a lei.



https://www.facebook.com/pages/Poesia-de-Antonia-Ruivo/135387139857112?ref=hl

domingo, 11 de janeiro de 2015

Poema Só...

O poema espera ser lido em silêncio,
desfeito de ornamentos, de fissuras,
Quer-se despido e olhar atento.
Deve o poema ser lido em horas escuras.

Que não entre claridade, a não ser a sua.
As campainhas se mantenham distantes…
Se merecer que pereça estendido na rua,
ou então que se vá. Sozinho, envolto em brilhantes.

Tem um destino o poema vadio,
ajudar o mundo a ver mais além.
Se no píncaro da montanha tremer de frio,
no fundo do mar deve ser pão-de-ló…
Ao olhar de quem lê, ser poema só.

O poema espera ser lido em silêncio,
despido de cordão umbilical.
Afago de quem escreveu… que interessa ao verso,
se amanhã se desfaz em areia,
e o poema que agoniza na maré cheia,
logo renasce na espuma… Sina tresloucada.

Tem um destino o poema vadio.
Ajudar o mundo a ver mais além…
O que esteja a mais é supérfluo, vazio.
Engano aos olhos, não ampara ninguém.




sábado, 10 de janeiro de 2015

O Fruto...

Preciso de amor no ausente amarelado
de um gesto. Gélido, que passa sem marca,
onde o meu crer desnutrido e tão fraco
é covil de tristeza, a que sei retalhada.

Num tempo que se foi. Quem fui, quem sou…
Sombra invisível a quem passa apressado.
Tormenta, ou povo sem destino traçado.
Tenho somente o fim no amanhã anunciado…
Restou o passeio despido e gelado!

Ah… Como queria voltar atrás, menina e moça.
Faria tudo ao contrário, ou talvez não.
Sou nada mais que o fruto da revolução!
Choveram cravos vermelhos nos meus olhos,
papoilas esvoaçaram nos coitos desejados…
Construí um país melhor… Nos olhos de uma pomba
voaram tempestades, que retornaram na velhice!
E eu, perdida, mendiga, sem tecto ou eira,
sou os cadilhos soltos de uma bandeira.

Foto: Alfredo Cunha.




quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

Areias...

Se as pérolas fossem pedras, as que deslizam
dos meus olhos na alta madrugada. Eu diria
que um açude se constrói na ingratidão,
que sinto ao acordar com frio… No raiar do dia!

Se muros fossem castelos em corrosão.
E a distancia ténue linha na manhã fria.
Seria a saudade cascata, e a ondulação
da água ao correr, alma liberta e vadia…

Por tudo isso te digo o que o pensar desdiz.
São os sonhos pétalas onde o orvalho pernoita,
e o amor… ai o amor é por vezes ponta solta!

Na vida. Onde as amarras são parcas colmeias,
e todas as lágrimas deslizam nas areias,
que encalham no destino que perdiz…

Numa valeta qualquer...

Quisera o poema esquecer o mundo
E todos os versos seriam soterrados
Em quimeras cor-de-rosa.

Quisera eu ser cega, e muda porque não.
Voar como as borboletas, ao fim de horas o chão…
Quisera ser água barrenta, moinho sem mós e sem vento.
Bailarina sem orquestra, criança de olhar crédulo.

Quisera o poema esquecer o mundo
Sentado numa poltrona.
Ou não fosse mendigo e desnudo
Que de pés no chão derrama.

Sangue… numa valeta qualquer.


terça-feira, 6 de janeiro de 2015

Alento...

Deixa as tuas dores de lado, falou o vento!
Não queiras saber de amores, gritou o sol!
Compõe em seara alheia, numa vertigem alento.
Semeia em terra estéril esperança como lençol.

Deixa as tuas dores de lado. São débil argumento,
às mentes na distância. Não podem ser paiol,
não devem ser… Conduz o pensamento
pela campina em flor… Nascerá um girassol.

Numa rima incompleta leva uma certeza,
a Primavera não nasce em Abril.
Ai poeta de coisa alguma, destino vil.

Olha ao longe o sereno, onde reina estranheza,
correnteza azulada nos olhos de alguém…
Olha… Mesmo o alarde fica sempre aquém.




Palavras ao Vento Suão, Antónia Ruivo