segunda-feira, 30 de junho de 2014

Eu sei...

Quando a razão me pede, - escreve um poema de amor-.
Levo a mão ao coração e busco por entre as chagas,
Uma margarida em flor.
Mas logo a saudade atira aos meus pés adagas
Junto à margarida uma roseira, os espinhos são fúteis facas
Que cortam o condão, de versos de amor dizer.
Porém junto às folhas caídas, as raízes sobrevivem
E no meio do labirinto um rosto em matizes
De um azul celeste, outras vezes verde água
Incita a horas felizes,
Até o branco dos cabelos se assemelha a violeta.
Por entre as silabas nasce aos meus olhos o poema
Fraco, eu sei, mas abre os braços à vida
Talvez virado ao contrário, não fossem sonhos fadário
 De columbina, imaginário, porém são pétalas surripiadas
Há minha alma cansada
Então de todos os versos que neguei
Nascerá o mais completo, eu sei…






quinta-feira, 26 de junho de 2014

Pensar...

 Ao ver os namorados ao final da tarde
Dou por mim a pensar
Porque será que perdemos na mocidade
A capacidade de sonhar.

Se o sonho comanda a vida
E assim é que eu sei
Porque a vida é tingida
Por aquilo e por d’El-Rei

Ai que saudades eu tenho
De viver só por viver
De brincar e de correr
De acreditar piamente
Saudade de tanta gente
Que cruzou o meu caminho
Até do remoinho
Que o vento fazia no monte
Saudade da água fresca na fonte.

Mas o que mais me mói
E às vezes até corrói
O meu coração cansado
Saudade de um beijo dado
Como se não houvera amanhã
Do vermelho da romã
Friozinho no inverno.
Por cobertor o inferno
Da vida em correria
Canseira e mais canseira
Vil e traiçoeira.
Que nos rouba a capacidade de sonhar.

Ao ver os namorados ao final de tarde
A saudade quis entrar
Pé ante pé, sem alarde
Fechei os olhos e dei por mim a pensar

Porque não fiquei lá atrás
Porque crescemos nós
Maldito tempo que trás
Moinhos de toscas Mós.



Cantiga...

Aquém das sombras que circundam a praça
Tudo tranquilo no final de tarde
Só o pensamento se atreve em barcaça
Mas regressa ao braseiro que no peito arde

Quietude que inspira o momento
Só o silêncio é mau conselheiro
Quando dou por ele envolto em fumaça
Moinha tingida de vermelho rubro
De vestes vistosas tem a sua graça
Quando dou por ele, logo lhe descubro

Pedaços de sina, em cristal luzente
O atrevido o meu ser presente
No final de tarde ao olhar o céu
Juro que descobri isolado ilhéu
Se pegar no riso que será que faço
Ora, pego-lhe na mão sem grande embaraço
Se pegar no céu e o juntar ao sol
Faço uma cantiga, seu olhar farol.



terça-feira, 24 de junho de 2014

E aí...

Ele é o pensamento que perde a noção do tempo
É o vento que uiva por entre a frincha da janela entreaberta
É a vontade na minha pele que incita à descoberta
Não fosse a chuva nos cabelos brancos, as rugas do rosto
E quem sabe o sol levasse o pranto por um campo de trigo.

E aí, na ceara madura o oiro da gente
O suor que gerou na terra negra, rebento
Fosse a esteira da minha alma
E aí, a vontade de ir além não ruísse simplesmente.

Ele são coisas e coisas, minha alma de poeta
Quem sabe a entenda uma costela de outrora
E aí, na madrugada em flor desperte botão de rosa
De um branco tão branco, brancura leitosa
De um rosto de donzela encantada

Que distingo no pensamento sempre que se cala o vento
O que resta afinal de um conto de encantar
O que resta nos meus olhos quando me apetece cantar
Ao lembrar o teu rosto, o teu olhar

Nada e tudo por entre linhas sem rumo
Assim começo um novo poema
Será que ao longe o futuro
Traz até mim o teu sonho, fonema.

Ele são coisas e coisas, nesta escrita vadia
São tranças que desfaço amiúde
São os teus olhos a rirem de mim
Neste jeito catraio de dizer que sim
Ele são coisas e coisas no branco do mármore
Até a chuva se juntou agora
E aí, o dia segue seu curso em busca da aurora.




Vila Viçosa...

O porquê da chuva em pleno Junho
Do frio que não vai embora.
O porquê de estar, como sinto agora
Mesmo com nuvens o sereno assoma
Desfaz em partículas uma redoma de aço
A que visto para o dia, em cada gesto, cada passo.

O testemunho das nuvens que vão passando
Escrevem no céu cinzento em letra miudinha
Uma mensagem legível
Nas linhas bordadas a vento posso ler uma adivinha
Uma canção de amor, aprazível.
As malandras das andorinhas que chilreiam em barafunda
Juntam-se às nuvens e trespassam os telhados,
Vila Viçosa branquinha, reino de sonhos engalanados.
O sereno das calçadas, dos rostos de gente simples,
Faz desta terra o seio de outras eras e reinados.
E eu questiono o porquê da chuva em pleno Junho
Pobre tola que me perco em escaparate irrisório
Nem percebo que a paz no vermelho dos telhados.
É sinal de que a vida mesmo que seja enguiçada
É para ser vivida, ser pesada e medida
Ao nascer o traçado, o que é nosso está guardado
E que o vento ao escrever, simplesmente quer dizer
Alentejo nosso fado.





sábado, 21 de junho de 2014

Para quê...

No frio do silêncio pelo chão um rosário
Onde as sombras tremem por entre vaga-lume.
Peço às nuvens que me tragam perfume
Embevecido pelo tempo solitário.

Mas tudo é rebeldia, ou então imaginário!
Penso e repenso será que amanhece.
Aos meus pés repousam folhas sem flor,
Será que fui rainha virada ao contrário

Envolta em estranho manto assim me sinto.
Censuro apatia, o meu sonho por mortalha,
De rainha a pedinte por entre um labirinto.

De folhas mortas, entre elas a fornalha
Onde incendeio anoso anseio extinto.
Para quê a coroa, sempre perco na batalha!





quinta-feira, 19 de junho de 2014

Noite...

Se eu correr por entre a madrugada
E levar no peito um sonho altivo
Será que o momento fica cativo
Por entre a alma mesmo cansada

Será que por fim se alarga a estrada
Ao virar da curva encontro motivo
P`ra gritar bem alto que bom é estar vivo
Repelir Inverno de uma assentada

Sinto nos meus ombros uma estranha cruz
As costas doridas, alma deslavada
Dizem que nem tudo o que é oiro luz

Mas antes luzente… noite iluminada.
Do que na penumbra, porque ela traduz
Uma sombra incerta, algo inacabada.



Recantos...

Por entre os muros de verde pranto
A letargia do fim de tarde, dolente…
Esvai-se aos poucos, e já o sol escaldante
Dá lugar à noite em seu fresco manto.

Intuo as sombras em cada recanto…
Pressinto serena o tempo presente
Até quem diria uma estrela cadente
Se junta a mim, sublime momento!

Quem dera a vida de verde bordada
Rebeldia ao sonhar com o infinito…
Bordo assim na minha alma cansada,

A ponto de cruz instante bonito.
Quem sabe o verde traga a madrugada
E logo a seguir reprima o meu grito.


terça-feira, 17 de junho de 2014

Vidas...

Pé ante pé palmilho as pedras
Tropeço na amargura
Aqui e além rugem as feras
Saem gritos pelas fissuras.

O porquê da morte, ou do mau quinhão
Eu não aceito e digo não.
De que vale a frustração
Se não posso pegar-te ao colo…
Se não posso tratar das feridas
Das feições angustiadas.
De que serve a frustração
Se pelo mundo vidas curvadas…

Foto de Alfredo Cunha.


Cadeira...

É tão deslavado e irrisório
O momento passageiro
Tudo é transitório
Infantil ou traiçoeiro.

Que levamos nós desta vida
Perguntei às pedras da rua
Somente ilusão se é fingida
Se o tempo é de corrida
Resposta nua e crua!

Por isso me sento amiúde
Numa cadeira de costas rotas
Não tem braços, não tem fundo
Mesmo assim pode comigo
Nem sequer o tempo ilude
Esta cadeira singela
Está defronte à janela
Do mundo, contemplação…
Até ponto de interrogação
São os pregos que a sustêm
Nesta era de aflição
Permaneço dias a fio
Nesta cadeira invisível
Que me ampara pela vida.
Perguntei às pedras da rua
Como vim aqui parar
Desconhecem a resposta
De na cadeira me sentar.





Então...

Não sei,
Porque me chega o eco dos fantasmas
Jogados em valeta de ambição
Porque teimo em recordar tempos passados
Remoinhos nos meus cabelos grisalhos
Ou então,
As velas de uma Nau Catrineta
Incerteza impávida mas serena.
Onde já ouvi esta cantilena.

Não sei,
Por entre este céu encoberto
Se olho de frente o passado
E o presente…
O futuro que promete?

Não sei,
Nos passos do velho
Aos meus olhos tão desfeito,
No voo dos pássaros
Nas suas asas, certeza.
Ao olhar o menino
Que me olha iludido.
Não sei.

Se faço bem em ser curiosa
Se roubo tempo ao tempo
Porém sei que sou desenvolta
Que escrevo pregos e rosas
Com facilidade vaidosa.

Então, que não sabes tu afinal.






terça-feira, 10 de junho de 2014

Corrupio...

Foge de mim a vontade de sorrir
Nas vezes comigo a sós
Pergunto ao branco das paredes
O que está por vir?
Vazios na resposta restam os choros
Do caliço aos meus pés!

Estranha admiração em corrupio
Comigo por dias a fio
O porquê da solidão, do encontrão.
Repreendo nessas horas alguma lágrima
Sei que não queres o meu pranto
Ou penso saber…

Curiosa a certeza, até clamor
Aventurança anunciada numa esperança fugidia
Certeza absoluta no branco das paredes, a razia.

Foge de mim a vontade de sorrir
Num silêncio que molesta, agride e corrói

Quebrado inutilmente por tudo aquilo que destrói.

quarta-feira, 4 de junho de 2014

Décimas… Os pombos na praça...

Felizes os pombos na praça
Numa dança sem igual
Cheios de vida e de graça
Alheios a vendaval.

Voa, voa, pombo belo
De um cinzento tão brilhante
Teu olhar é cativante
Ar sereno e singelo
Voa, voa, pombo belo
Leva nas asas plangor
Que trago no meio da dor
De um povo de rosto amargo.
Voando soltos no largo
Felizes dos pombos na praça.

Alegria das crianças
Em alegre brincadeira
Alheias a canseira
Descomplicam as andanças
Ensaiando contradanças
Querem os pombos tocar.
Nesse baile vem entrar
Com elas de riso solto
Passo certo desenvolto
Numa dança sem igual.

Volta ao tempo da romã
Das nozes e das amêndoas
Aos cortiços das abelhas
À pesca do achigã
À capa de fofa lã.
Com os pombos e as crianças
Entra já, sem reticências
Com vontade leve e sã
Os pombos pela manhã
Cheios de vida e de graça.

Voam em círculo fechado
Outras vezes mais aberto
Junto às nuvens ou mais perto
Sobrevoam o telhado.
Fico de olhar abismado
Pelo voo engalanado
Pelo riso adocicado
De sangue novo na guelra.
À solidão fazem guerra
Alheios a vendaval.




 Décimas…Meu choro de mão em mão.

Nos dias em que não te encontro
Indago a solidão
Em versos velhos transporto
Meu choro de mão em mão

Por que sou filha do nada
O meu ser é assombrado
Triste sina, triste Fado
Ao chegar da madrugada
Numa lua deslavada
Tal lágrima perdida
Que me leva de vencida
Quando assoma a nostalgia
Meu amor quem diria
Nos dias em que não te encontro

De mãos postas rogo ao Alto
Que me traga o teu sorriso
De tudo o que preciso
P`ra sair do sobressalto
É dum sonho azul-cobalto
Que me dê dias risonhos
Rosmaninho em fartos molhos
Nos teus olhos cor de mel,
P`lo toque da tua pele
Indago a solidão

Questiono até o tempo
P´la sorte em contra-mão
Ai jesus mas que aflição
De tanto dormir ao relento
Há muito esqueci alento
Anseio p`la luz do dia
Quem sabe traga ousadia
À alma que vagueia
Outras vezes se incendeia
Em versos velhos, transporto

Uma nesga de alento
Logo mais à tardinha
Numa chuva miudinha
Instigada pelo vento
Que me traga o momento
O teu beijo traiçoeiro
O teu rosto o teu cheiro
Num abraço apertado.
Retornaria ao passado
Meu choro de mão em mão.





segunda-feira, 2 de junho de 2014

Deserto

O que faço com o rodopio estrondoso
 Que os pensamentos motivam
Sempre que dou por mim a cismar

O que sou, o que fui, para onde
Me leva o dia, que será que esconde
A noite traiçoeira,
Só uma certeza brejeira…

Sou filha das pedras, como pai o barro
De madrinha a chuva, minha irmã a esteva
Bizarro parentesco, faz todo o sentido
Não me encaixo no contexto deste mundo iludido

Por mãe uma ribeira cheia de peixes vermelhos
Só assim entendo os pensamentos traiçoeiros
E se um dia me apaixonar pelo montado matreiro…
Que embala na sua sombra um velhinho sobreiro.

Aí sim, corro pela campina agreste
Finalmente gritarei. Sou eu …no campo a rodopiar
Sob o sol de Agosto, bebo água da fonte
E amanhã… amanhã volto a questionar.

O que sou, o que fui?

Um grão de areia num deserto de míngua!


Palavras ao Vento Suão, Antónia Ruivo