domingo, 18 de outubro de 2015

Canto...

E… Se eu entrar numa sala vazia, e bailar
a dança dos pirilampos. Mas… Sem o brilho da luz.
Se gritar em pleno salto pelo infinito… E cantar
mesmo sem voz. E parar à porta. – Truz, truz…

Tu estarás lá. Ou encontrarei o vento a uivar.
Será que tão louco sonho me sacode e conduz,
pelos meandros do infinito… Ou serei muda ao gritar
- São todos os poetas, luzerna em contraluz.

Estarás lá, sei que sim, e também sei, talvez…
Estranha compilação de palavras sem sentido!
Como vês, sou assim numa vazia mesquinhez.

De quem soletra por tempo indefinido.
E na minha sala vazia escavo a embriaguez
da minha alma, assim canto a canção do bandido.


Sem pudor...

Por hora, vou fechar todos os versos e reverso,
na gaveta da memória. Trancar a sete chaves
a vontade de ser. Soberba força em nó corredio,
maltrapilhos os meus ais em estrofes p´los beirais.

Vendilhão de um templo sem altar! Só o medo
se encobre na abóbada fria e sem traves.
Só a soberba no fazer, é nau sem casco!
E o mastro sem bandeira pode ser cortês…

Ao pensamento em aflição. Remoinhos soltos
em terra fértil. Por hora tranco os meus versos.
Sou mais teimosa que eles! Embora em tornados

me elevem por um céu de breu, onde os beijos
que invento se partem na aridez do chão. E os choros
que desnudo sem pudor, se assemelham a bacelos.



Arco-íris...

Trato por tu todas as palavras sem sentido.
Ensaio com elas o passar dos dias sem destino.
Chamo-as pelo nome, quase sempre em alarido.
Amparam-se assim ao meu corpo franzino!

Sou farsante e bom actor, sou caso perdido.
Olho para elas em algazarra e com ar divertido.
E tu… Que queres tu da palavra se num verso sucinto,
albergo todos os vendavais enquanto imagino…

Saltam em telhado de zinco, quente, e tão vazio!
Amparo-me nos dias para esquecer as noites,
empoleirada, nas ramagens que adornam o rio.

Onde desaguam os meus medos. Não cuides
que sou triste, quando muito tenho frio.
Que te importa se adormeço nas cores do arco-íris…




Serás o meu porto...


Traz nos rumores do vento por entre o casario
a cauda de um cometa. A força ao nascer
de um novo dia. Traz em ambas as mãos o vazio
de uma noite sem luar, e inventa o acontecer.

Um corpo nu, inundado p`la luz do pavio,
propicio à descoberta. Traz a força a crescer…
Mil vendavais a afastar… Faz sem mistério,
nem palavras a inventar. Constrói o ser.

Ser de uma coisa qualquer… Costela do vento,
porque não. Ser terra e chão aos nossos pés…
Cobrir o meu corpo, enlear o pensamento.

Aí: ai de quem se atreva ao dia cinzento.
Serás o meu porto sem olhar a marés.
Minha terra, meu chão, a qualquer momento.




Sina...

Desnuda-se a vontade sem toque na mão.
Sem brilho nos olhos, ou cante na voz.
Descai das nuvens que circundam o chão,
Rolam nas calçadas como cascas de noz!

Levadas pelo vento. Solta-se da voz atroz
uma saudade imparcial, enquanto a mão
ensaia o adeus. Adeus, num riacho sem foz!
Que inunda tão estranho coração.

Por onde andas? Sonho arredio e passageiro.
Preso ao beiral num sentir fugidio.
Por onde andas? Sorte minha, amor inteiro.

Quem sabe encostado a uma esquina,
onde os telhados são o único abrigo;
Jamais saberei… Se pairas na escolha de fria sina.





Foices sem cabo.

Abalei faz tempo, de um tempo circunscrito,
a todos os círculos, criei muros, destrui outros…
Aponta-me o tempo uma loucura sem crédito!
Nem só os dias são o berço de todos os choros.

De todos os risos, por vezes o meu olhar aflito,
eleva o sonho ao alto mas logo se perde p`los cantos.
Melopeia infernal! Ou palco de pensar cinzento…
Mas logo as clareiras abrangem o espirito.

Transponho sozinha a estranha jornada,
despida de boas maneiras, tanto faz.
Abalei faz tempo, sem me despedir de nada…

Por outro lado, gritam-me os mortos: fugaz,
são todas as aragens ao romper da madrugada
Foices sem cabo. Molde de uma fome voraz.


sexta-feira, 16 de outubro de 2015

Vendaval dos dias...

Dependurados num beiral, os sonhos
aguardam que as aguas de outono
lavem as paredes, que albergam a esperança.
De quando em quando, atrevem-se
nos espinhos de uma roseira!

Nas fissuras das paredes os ecos de um dia:
em que o corpo adormece,
Tu e eu, eu e tu, a folhagem verde,
por onde os espinhos aguardam…
Todas as ambições por criar.

Criar! Fome de criar o vendaval dos dias…
Eu e tu, a prova circunscrita ao instante,
a foice que ceifa o que resta do tempo,
a inercia, a nudez.

Eu e tu, pingos de sangue à mercê dos espinhos;
só a roseira aguarda, e como sempre vai florir!
Mais que não seja numa valeta da estrada,
por onde nos perdemos ocultando:
que o sonho pode sempre florir.


terça-feira, 13 de outubro de 2015

Quando muito...

Que é da voz na obscuridade do tempo?
Onde paira a rebeldia de um amanhã mais justo?
Agoniza em versos sem tento!
Enquanto o sonho se curva sem fôlego!

Se gritar nas águas de outono
e dançar sete dias a fio
os versos serão a bitola dos rios.

Amanhã todas as montanhas sem cume
olharão o passado e nele estampado:
uma geração com voz.

Mas se me agachar no medo provável:
renegarei o que sou.
No tal cume uma garina imutável,
do que fui nem a sombra restou.



domingo, 11 de outubro de 2015

Utopias...

Triste e esquecido, esquecido e triste
Ensaia em passos de dança:
desmembrado e macambúzio,
todas as fomes dos dias.
Ergue punhos, curva as costas
em subserviência total,
e chora a noite negra!

Não me reconheço nas lágrimas,
todas as que verto são raiva,
contra tão negra utopia.




sábado, 10 de outubro de 2015

As nossas mãos...

De ti quero o nascer da lua num recanto ajardinado.
Os murmúrios da dor pelas esquinas da vida.
O nascer do sol entrelaçado na esperança.
E os sonhos na alvura de uma pomba. Eldorado,

e abissal é o querer num chão desajustado!
De ti sonho de franco intento: quero sina.
A memória ajustada ao momento, e virar a pagina
nos remoinhos de um outono pardacento.

Quero o restolho nos olhos do desconhecido…
O pousio de um verão espantado pelo impossível.
Quero as mãos, a seiva e a face imprevisível,

do amanhã. Se tudo isto trouxeres bem legível,
num sorriso cara a cara, tocam avém marias ao alto!
E as nossas mãos se ajustam ao impulso desmedido!




domingo, 4 de outubro de 2015

As cicatrizes...

Escrevo nas linhas de agora anseios de então!
Nesta encruzilhada onde maremotos invadem
todos os vendavais do meu coração.
Enquanto isso sei que sou refém!

De todas as nostalgias da interrogação.
Sou gare vazia onde escasseia o trem,
que me empurre p`los sonhos em contramão.
E todas as noites nas dores se contraem!

Num vazio muito próprio ao desamor,
há falta de ambição; ao raiar por nenhures:
sou fantoche de mim mesmo, e dos lugares

que a luz teima em emergir. As cicatrizes
que deixei para trás, são moinha sem cor!
Deslavadas p`lo saber… de nada serve o clamor!


Palavras ao Vento Suão, Antónia Ruivo