quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Poema

Um poema
Escorre da pena
Sob o olhar mortiço
De um candelabro
Suspiros
Em forma de lágrima
Ais, arremessos
De poeta alheado…

Ou talvez não
Escorre submissa
A palavra
Na pena do poeta
Ilusão
Que jorra viscosa
Em folha branca
Paixão
Por entre névoa
Água gelada
Contradição
Crer que não pensa
Negação suspensa
Solidão
Do poeta, avessa

Ao olhar do outro lado…

Espera

Espera…

Espero por entre amieiras
Ao som dos Melros cantando
Espero por ti, vidas inteiras
Vidas, em tantas maneiras
De te escrever soltando
Este grito abafado
É este o meu fado
Ao te escrever noites inteiras

Espero por ti de manhã
Quando o pastor sai pr`a a lida
Quando se solta a romã
Num Outubro a despedida

As folhas caem ao chão
E num qualquer mês de Março
Explodem em comunhão
envolvendo num abraço

Os ramos nus açoitados
Pela força de vil aço
Em ventos e ventania
Açoitam num qualquer dia
Um Janeiro friorento
Meu amor espero ao relento
Como os troncos em silêncio
Sei que o teu sorriso
Me chegará conciso
Sem resistência ou mistério.

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Névoa

Porque sinto um inglório desapego
Naqueles dias em que o sol se oculta
Quando caminho pela rua deserta
Nem as folhas encontram seguro abrigo

Sinto que nada vale tudo, aconchego
Da minha mente que recua desperta
Os medos não constroem muralhas, discreta
É a minha sombra em dias de desassossego

Nos dias em que o teu rosto se oculta
De mim, do tempo escasso e de outrem
Nesses dias meu amor a minha alma contém

Um misto de pavor, um paladar de mel
Porque sei, sempre que o sol se enevoa
Meu amor o teu gosto não recordo à toa. 

Saudade

Uma janela entaipada
Aperto no peito
Fio de aço afiado
Perfura, é estreito
Tempo contado
Lonjura disforme
Balão enchendo
É sangue, escorre
Um riacho chorando
Vereda que percorre
A planície da memória
Um pingo de chuva
Esgota a lembrança
Contrai a fadiga
Uma nuvem, bonança
Volta ao contrário
Tudo recomeça
Saudade é fadário
De sorte dispersa.

Cíume


Corre nas veias
Sangue cruel
Mistura agridoce
Um misto de fel
É como se fosse
Lagoa sem águas

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Algodão de nada

Abotoa bolas de algodão com invenção
Multiplica essas bolas por outros tantos olhos
Azagaias de areia que transforma em folhos
Uns mais coloridos que outros, rendição

É o que espera em troca de palavras de nada
Suspira, implora, ai Jesus que  demónios
Que assombram na fria madrugada, os braços
Estica em direcção de uma figura deslavada

Pela imaginação aos saltos, sereias
São milhentas deslizando em mar alto
Oh, frenesim em tão grande espalhafato
Igual ao mudar de enxame de abelhas

O zum, zum de uma mente sórdida
Que pensa caçar espampanante cotovia
O sorriso matreiro de quem não vende nem fia
As bolas de algodão que arremessa sem vinda…

sábado, 19 de fevereiro de 2011

Mel com fel

Pedem-me que faça rimas ao desbarato
Que rime mel com fel e azul sobre ouro
Pedem-me que chore por amor vindouro
Que em versos pinte o meu retrato

Que diga que a noite é escuro orfanato
De um coração triste mas brejeiro
Que veja o amor felpudo e matreiro
Que esfrangalhe doçura com artefacto

Pedem-me que poeta não seja por um dia
Que siga metricamente a bela poesia
Indagam tanta vez aquilo que eu faria

Se escrevesse com o coração na boca
Não, sou demasiadamente maníaca e louca
E depois, a quem importa se sou proscrita.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Dança...


Se eu dançar para ti
A dança dos sete ventos
Será! Vais pensar são momentos
Momentos pegadiços logo vi

Mas dança no vento
Um negrume airoso
De vestido de chita
Alegre, vistoso
Na bainha traz preso
Um sorriso bonito
Amor e lamento
Paixão e verdade
Alguma tristeza
Sem grande vontade
Tremura moleza
De um olhar mortiço
Um beijo maroto
Perdeu o juízo

E já são oito as razões
Desta minha dança
Outras tantas paixões
Cobertas de esperança.

Se eu dançar para ti
A dança dos sete ventos
Meu amor dançarei
Até ao fim dos tempos.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Crer

Porque me tentas banir o crer
Construindo altos muros
Pensas, são portões seguros
Redomas de vidro opaco
Não passam de vento fraco
Porque me tentas banir o crer

O crer é igual a grão de areia
A pingo de água na nascente
A remar contra à corrente
Transforma brisa em furacão
O crer abala nação
É luar de lua cheia

É dança de pés descalços
É hino na voz do povo
É sangue de homem novo
Gargalhada de catraia
É maré varrendo a praia
É força de mil abraços

Porque me tentas banir o crer
Quando só o crer pode vencer
Só crendo se vê crescer
Uma vontade a desfalecer.


quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Jeito

E agora
Sinto que estás aí
Pressinto um olhar zangado
Um imaginar ensonado
De que alheia estou
Não, apenas me dou

Porquê, não interessa
Gosto desta nossa conversa
Monólogo de mim em ti
Eu sei, sei agora vi

Um sorriso no teu olhar
Uma névoa em estilhaço
Pressentindo um forte abraço
Neste jeito de te falar

Castelos

Não me ouves eu sei ver
Escrevo ao dia que passou
Ao sol preguiçoso dou a atender
Que mesmo sem brilho, raiou
No meu olhar, bastou um crer

Por vezes a alma é escrava
A espera amarelece
A paisagem que narra
O que nunca acontece
Por vezes a vontade encrava

É preciso parar um pouco
Olhar por cima do ombro
Mesmo pensado que é louco
Por tentar remover o escombro
Por vezes, o ouvido é mouco

E os olhos tão cegos estão
Meio palmo não conseguem ver
A pequenez virou leão
Apenas queremos correr
Fugir daquilo que são

Os fantasmas que nos assolam
Criamos paredes brancas
Esculpimos com nossa mão
Aquilo que está além, trancas
São lágrimas que nos consolam

Não me ouves eu sei dizer
Sei mais de ti que de mim
Cego sou por não querer ver
Que construo castelos assim
Desabam, de um sopro nada a fazer.


terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Os Templos ruíram

Falo contigo que não me ouves
Falo de ti quando não me vês
De mim falo por ermos e montes
Olhando-me nos olhos por entre fontes
De nós falarei sem quês ou porquês

Falarei de um olhar conivente
De mãos suadas em tempo frio
Coração afoito, um adeus presente
Falarei num depois estranho e ausente
Mesmo sem espaço afasto o vazio

Falarei de ti na noite fria
Falarei contigo em dias de sol
Contarei ás pedras a alegria
Que se aproximou, trazendo magia
Transformou-se em água, soberbo lençol

Que tudo inundou e passou adiante
Alagou os campos que logo floriram
Mas lagos de sal cheios de um rompante
Secaram as flores os campos carpiram
Falarei de nós, os templos ruíram.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Meu amor...

Meu amor encontra-se aqui
Chegadinho ao pensamento
Por vezes salta p`ra li
Pelo meu peito, adentro
Não sabe que sai de si
Um sentir, acolhimento
Meu amor encontra-se ali

No âmago de um clamor oco
Nas asas de uma pomba
Num olhar que sabe a pouco
Numa flor que desponta
Num ténue lamento rouco
Numa margarida branca
No vaivém quase louco

De um poeta de nenhures
Que procura em cada rima
Quem sabe um amor algures
Faça dele sua sina

Meu amor é de um tempo
Que há-de vir afinal
Em asas de deslumbramento
Num verso em tudo igual
Aos dias de contentamento
Ao azul celestial
Meu amor é pensamento

Que planto num roseiral.


quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Lírio roxo...

Roga esquecimento
Enrosca um lamento
Pede uma brecha, ao tempo
É contratempo
É azedume
É  lenha no lume
O vento que apague
Labareda, saudade
Roga ao pensamento

Que parta por aí
Onde nenhures existe
Onde o Outono persiste
Quem sabe na madrugada
Ali, no romper da alvorada
O vento traga na mão
Um olhar sem contradição
Uma boca que se afoite
A dizer que não é noite
A brecha em que esvaí

O teu rosto visão.
O meu rosto paradoxo
Que te solta ao coração
Como no campo o lírio roxo.

Esvai-se por campos, enfim
Roga esquecimento
Se não te sentes assim
Lírio açoitado p´lo vento.

sábado, 5 de fevereiro de 2011

Se eu te escrevesse...

Se eu te escrevesse com palavras de cor
Escreveria vermelho amorangado
Amarelo adocicado
 Em favos de mel
Um corrupio, carrossel
Verde esperança, bonança e confiança
Azul é uma lembrança
O branco de uma pomba
Que voando desponta
 O preto acinzentado
O teu rosto fechado
 O sol trazendo o por

Se eu te escrevesse com palavras de amor
Escreveria no poente,
Uma estrela luzente
Que te guiaria
Enquanto a lua sorria
Por trilhos em campo aberto
Escreveria é certo
A nostalgia da despedida
Uma lágrima de fugida
Esse teu olhar presente
Que nasce em mim igual a semente
Aos meus olhos uma flor

Se eu te escrevesse com palavras minhas
Escreveria em folhas sem linhas
Duas mãos abertas, um olhar sentido
Escreveria um amor vivido

O arco íris esconderia o rosto
Envergonhado com a paleta de cor.
Que eu juntaria num canteiros de flores
Para te escrever como quem degusta mosto



quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Noites de luar...

Procuro por entre o nevoeiro um ponto de partida
Uma seta indicativa de mim quem sabe, escondida
Pela solidão que se achega em noites de luar
Causadora incansável de mal-estar
Arreganha os dentes como cão raivoso
Perde pedaços igual a leproso
Sulca as paredes tingidas de sombras
Almas penadas que se agitam como cobras
Solidão, esfera tentando ser quadrada
Desliza docemente pela encosta da vida
Abraça a madrugada, olha, uma lágrima sentida
Aflorou, como uma flor desabrochou
Ninguém viu, nem sequer indagou
Porque me procuro nas noites de luar
Porque teimo um refugio encontrar

Se quem navega livremente, acaba por naufragar.

E agora...

E agora
Pergunto tanta vez
Aquele negrume
Que me vai trazer
Fios de neve a desprender
Derretem-se mesmo sem lume
Partículas de insensatez
Que vem sem saber a hora

Perguntas sem ter resposta
Uma nuvem que assombra
A alma que entristece
Os dias que vão finando
Uma vontade sem tempo ou quando
Morre de velha, esquece
Como pode ser fresca a sombra
Ali, na ombreira da porta

E agora
Que é feito de mim
Por onde deixei ficar
Pedaços de maresia
Perdi-os num qualquer dia
Nas ondas rasas do mar
Lá onde não há fim
Em mais um verso que aflora

Aos teus olhos
Que pensarão
Ao ler palavras, nadas
Quem sabe, é vento suão
Que te dará forte abanão
Por entre as horas amargas
Aos teus olhos quero ser condão
Sem vara, desfolhando sonhos

E agora que vai ser de mim
Desfazendo nuvens de fumo
Será que chegarei por fim
Até ti como fio de prumo.

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Dois e dois...


Não consigo juntar dois e dois
Penso e repenso, um pensar retardado
Pelo espírito sempre alheado
De mim, embrenha-se em sois
Que se rasgam igual a lençóis
Presos em estendal de arame
Como é pobre o certame
Lençóis, açoitados pelo temporal
De uma razão comportamental
Não consigo somar, e depois

Não serei eu que me olho no espelho
Que vejo o dia igual a fedelho
De cara mascarrada, chaga no joelho
Um sorriso matreiro, feliz
Olho o dia igual a petiz
Que pede colo ao adormecer
Não serei eu, que finjo não ver
Os anos que passam
As dores que amassam
Mas o sangue ainda é vermelho

Dois e dois não consigo somar
Pesa-me um pensamento a sangrar
Salpica a minha mente fechada
Ás vezes rasga igual a enxada
A terra barrenta que me cobre
Talvez aí a esperança se desdobre
E…
Eu consiga somar dois, dois.

Então, o sol e a lua eu teimarei em juntar

Palavras ao Vento Suão, Antónia Ruivo