Acordara
de ânimo, leve, finalmente sentia que a alma levitava através da esperança, até
conseguiu sorrir ao pôr o pé fora da cama! Coisa que até esquecera… foi há
muito tempo que desaprendera a sorrir nesta quadra.
Sente-se
velho! É um velho escriba, de palavras tantas vezes ocas. Nas mãos que já se
apresentam, enrugadas, pende uma tosca caneta que tem vindo a transportar para o papel o negro do
mundo. Nos ombros, o pesado fardo delineou a curvatura das costas e no olhar, já
alberga os lagos gelados do norte. No coração, que trancou faz muito tempo,
conseguiu ainda assim manter acesa: uma frágil e sonhadora luz. Que hoje
despontou!
Todos
os anos a mesma coisa… assim que Dezembro se avizinha senta-se numa manhã com o
intuito de escrever um Conto de Natal. Manda a tradição que os contos de Natal;
sejam leves e bonitos, manda a tradição que as emoções em Dezembro se mantenham
ao rubro. Ao longo dos anos, ele tem conseguido contornar essa ideia
preconcebida, a de que, Dezembro é complacente. Não podem os homens desviar a
atenção das luzes natalícias. Em Dezembro as luzes querem-se brilhantes e
luzentes, sobretudo devem pender de um pinheiro de plástico rodeado de
presentes! Este Natal não iria lutar contra o brilho das luzes.
Não
percebe… Até os pinheiros passaram a ser de plástico, e deixaram de ser verdes!
O verde era a cor da esperança, e nada melhor do que um pinheiro verde para
retratar essa esperança. Hoje, até os pinheiros são brancos, se repararmos bem:
são da cor dos lagos gelados do norte! E ele teme que um dia destes o musgo do presépio
também passe a ser branco, porque de plástico… já é!
Por
isso mesmo, os seus contos de Natal tornaram-se ainda mais frios… Sente uma
enorme incompatibilidade com os pinheiros brancos. Sabe que essa discordância
afasta as pessoas dos seus parágrafos; no Natal. Deixá-lo; que a leitura torne
ao rumo em Janeiro. Ou não fosse Janeiro o mês destinado aos parcos recursos…
Este
ano, havia decidido não escrever Contos de Natal. De nada serve estragar o
espirito natalício ao leitor. Sentia-se tão cansado… durante um ano inteiro ia
se apercebendo que todos guardam as boas intenções para Dezembro! Até ele:
Enquanto isso, guardava também as intenções para escrever Contos de Natal que ninguém
queria ler em Dezembro. Paradoxo; sem pés nem cabeça!
Por
mais estranho que pareça, habitou-se à ideia de que este ano se fingiria de
morto, enquanto andassem entretidos com o Natal. Porém, a esperança por vezes
faz das suas, quando menos se espera empurra a porta. Por sinal chega a ser
malcriada, entra de rompante sem sequer bater!
Foi
o que lhe aconteceu, durante a noite passada! Enquanto dormia teve um sonho…
Viu-se
criança, de andrajos vestido! Muito embora sempre lhe tenham vestido, trajes de
veludo. Nas solas dos pés sem sapatos, tinha desenhado um pinheiro despido de
agulhas, tal a força do pó com que estavam cobertos os seus pequenos pés! Nos
cabelos, fios e manchas brancas anunciavam que a frieza dos lagos do norte
desabara, na sua cabeça. Não percebeu muito bem o que lhe havia acontecido… os
seus cabelos eram pretos e agora apresentavam-se brancos! O pior foi a sensação
de peso nos ombros! Era tão pequenino, nem sequer sabia dizer quantos anos
tinha, e aquele peso que lhe curvava as costas, já o deixava perplexo e
amedrontado…
A
certa altura: Em pânico, perante a fragilidade que tão estranho sonho lhe
trouxera, esteve prestes a desfazer-se em lágrimas. Mas nada aconteceu… não
verteu uma única lágrima! Quando… aos seus ouvidos um trovão lhe revelou a
penosa realidade… lá fora… o que restava das casas caía em chamas de cinzas,
enfeitadas com o que restava dos seus sonhos de criança. Caiam sobre a sua
cabeça, deixando-a ainda mais branca!
O pior
aconteceu… o pinheiro que desenhara nos pés, desaparecera! No seu lugar nasceu uma
estrada de espinhos… Haviam-se partido as janelas da alma e a guerra levara a
melhor… Roubara-lhe o pinheiro que de verde passou a branco, de branco passou a
ser somente uma árvore morta à qual se tinha vindo a habituar, mas agora…
perante o peso dos espinhos a dor roubara-lhe até as lágrimas.
Por
essa altura acordou…
Depois
de se recompor do terrível pesadelo, saltou da cama e sorriu… afinal, ele, e
todos os que conhecia, tinham paz à sua volta, tudo não passara de um tenebroso
sonho. Mas… como sabe que há no mundo muitos a chorar de fome e de dor, e
porque é Natal e Jesus vai nascer para salvar os que sofrem, vindo a morrer
mais tarde. Tal como a criança do estranho sonho havia morrido… Decidiu que
afinal...
Este ano, volta a escrever um Conto de Natal,
o no seu Conto de Natal desenhará em palavras cruas o retrato dos que morrem ao
sabor de uma bala perdida. Decidiu também que o seu Pinheiro de Natal voltará a
ser Verde, muito embora continue a ser de plástico. Sinal de que por vezes até
os sonhos são de plástico! Para que voltem a ser verdadeiros não é necessário
ao pinheiro ter prendas, que o dinheiro possa comprar. É necessária esperança
num mundo melhor.
Bom
Natal para quem chegou ao fim deste conto.
Antónia
Ruivo, 18 de Dezembro 2016.
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